A classe de 1961 do Instituto de Educação, na Tijuca, segue unida 58 anos após a formatura. O grupo se reuniu dia 24 de outubro no Windsor Excelsior Hotel, em Copacabana, para relembrar os tempos de escola, como vem fazendo periodicamente desde 1985. Cerca de 155 alunas estiveram presentes, repetindo o sucesso das edições anteriores.
Naquele ano, a instituição formou 772 mulheres em 21 turmas, todas elas voltadas à formação de professoras. Trata-se de um dos estabelecimentos de ensino mais tradicionais do Brasil, fundado em 1880. A atual sede, na Rua Mariz e Barros, foi inaugurada no contexto da Revolução de 1930 e por muito tempo, foi referência de ensino público de qualidade em todo o país. Mantinha diversos cursos, sendo que nos dois iniciais, pré-primário e primário, o ingresso era livre. Neles, a matrícula de meninos era permitida. A partir do ginásio, era necessário concurso mesmo por parte das antigas alunas, já que permitia o acesso direto à Escola Normal, ciclo escolar correspondente ao atual Ensino Médio e alvo de muita concorrência – em caso de disponibilidade de vagas, outra seleção era realizada apenas para estas séries, nas quais o público masculino só teve acesso nos últimos anos desse modelo. A procura era tão grande que era comum alunas de outros espaços repetirem de ano propositalmente para tentarem, por diversas vezes, uma oportunidade de se matricularem ali.
Tal prestígio ainda é celebrado pelas antigas formandas, que, apesar da união atual, não mantiveram contato após terminarem seus ciclos escolares. O reencontro foi possível após uma delas, na década da 1980, começar a trabalhar em local, onde teve acesso aos dados de todas. Os nomes e endereços foram copiados e entregues para outra delas, Ana Maria Saraiva, que contatou cada uma. “Eu era presidente do conselho de alunos. A reação da maioria foi uma festa”, lembra.
O primeiro encontro foi na UERJ, onde aconteceu um culto ecumênico seguido de coquetel. Das mais de 700, “apenas” 165 estiveram presentes, número que se manteve estável ao longo dos anos: o de 2018 juntou 157, após o anterior agrupar 147. “O objetivo da festa é a valorização da vida e das amizades”, destaca a ex-aluna, mencionando que diversas estudaram juntas desde o Jardim (agora Ensino Infantil). Atualmente, as antigas normalistas, nome atribuído às estudantes da instituição, mantém contato em dois grupos no Whatsapp: um para jogar conversa fora e outro, para acertar detalhes do encontro.
Como as reuniões englobam um grande número de pessoas, elas exigem muita organização. Anualmente, são selecionadas duas madrinhas para cada turma (eventualmente, algumas ficam com uma só por motivos diversos) – neste ano, foram 39 representantes. Cabe a elas contactarem cada aluna de seu grupo, convidando para o evento e obtendo as confirmações, que devem ser realizadas previamente. “Tem gente que vem de fora… Uma veio de Bolzano, na Itália”, ressalta outra antiga estudante, Heloísa Maria Barbosa. Ela foi uma das únicas a se matricular na instituição no Ensino Médio e apesar de mencionar se sentir excluída na época, lembra ter adorado receber o convite para o primeiro encontro, há 34 anos: “Achei ótimo!”. A partir de então, firmou amizades com suas colegas do passado.
As lembranças daquela época permanecem vivas entre elas. “Quando passávamos na rua, uniformizadas, entre outras meninas de outras instituições, nos diziam ‘isso que é escola!’ As pessoas que estudavam na Escola Normal estavam habilitadas para fazer qualquer coisa com a base recebida”, comenta Ana Maria, mencionando o quão estimado era o colégio. Dentre os ensinamentos, havia também aulas de culinária (“a receita do meu biscoito de cerveja é, até hoje, a que aprendi lá”, diz); trabalhos manuais; educação física; economia doméstica; civismo (sem cunho partidário) e muito mais. “Hoje, o aluno se forma e não sabe nada”, analisa. A aula de música também deixou boas recordações. “Tivemos duas professoras notáveis, a Marília Araújo e a Dora. Elas regiam 772 alunas num só coro. Tínhamos um auditório lindo para nos apresentarmos”. Heloísa complementa observando que até os chefes de estado prestigiavam a cantoria: “Víamos Juscelino Kubitschek, Carlos Lacerda…”.
Ana Maria demonstra ainda muito carinho pelo espaço físico: “O prédio era sagrado para nós. O pátio interno, sob a luz da lua, era um encantamento. Ali, não eram os professores que mudavam de sala e sim as alunas, a cada aula. Transitávamos e nos víamos nos corredores. Assim, todas se conheciam. Lembro que uma entrou e se sentiu oprimida, mas falou comigo que fui a primeira pessoa que sorriu para ela, no corredor”. Já a antiga colega destaca a rigidez dos profissionais na fiscalização dos uniformes, uma maneira de ensinar disciplina às alunas: “Era impecável, mediam até o comprimento da saia. Os sapatos eram todos do mesmo feitio. Havia um orgulho de ser normalista, isso nos dava um status enorme”.
Esse sentimento é narrado também por Ana Maria, que o relaciona com a valorização da profissão para a qual estudavam: “A remuneração e o respeito pelo professor eram enormes. Minha mãe era professora e meu pai, médico. Foi ela quem financiou nossa casa”, cita, comparando com o cenário financeiro atual dessas classes. “Na época, casar com professora era como dar golpe do baú”, sugere Heloísa.
O modelo da Escola Normal entrou em decadência por um conjunto de fatores. Em 1968, a Reforma Universitária promoveu mudanças no curso de Pedagogia, que deixou de ser parte das Faculdades de Filosofia para integrar as de Educação. No ano seguinte, o parecer 252 do Conselho Federal de Educação promoveu grandes mudanças na composição curricular deste curso. Ainda em 1969, o Supremo Tribunal Federal proibiu o ingresso automático a cargos de professores da rede pública por parte de alunos normalistas tanto do Instituto de Educação quanto de outros espaços, diminuindo a procura pelas vagas. Em 1971, outra mudança: a lei 5.692 transformou a Normal em uma habilitação do segundo grau, descaracterizando a sistemática de formação ao magistério primário. “A Pedagogia me deu embasamento teórico, mas a parte prática aprendi na Normal”, analisa Ana Maria
No encontro de 2019, cada participante recebeu, como lembrancinha, um calendário de 2020 com uma foto antiga do prédio até hoje ocupado pela instituição. O planejamento para a próxima festa começará já em novembro, quando é prevista a avaliação da edição mais recente entre as madrinhas. “Com isso, a gente é feliz”, finaliza Ana Maria.
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