Aulas particulares podem custar caro demais para o bolso de muitas famílias. Pensando nessa demanda, o engenheiro Silvério Moron criou o projeto “Adote Um Aluno”, no qual um time de voluntários fica a disposição de estudantes para esclarecer dúvidas de disciplinas variadas, gratuitamente. Em Copacabana, as monitorias acontecem na Praça Edmundo Bittencourt, sem necessidade de cadastro prévio: basta chegar e participar.
Moron começou a lecionar Matemática e Física em 2003, como professor particular. Cansado de se deslocar por bairros diversos (“eram muitas horas no transporte público”), decidiu mudar sua maneira de trabalhar e em 2008, sentou-se na Praça Mauro Duarte, em Botafogo, acompanhado de um aviso de que ele estava ali para ajudar estudantes com suas dúvidas. “Isso foi numa quarta-feira. Não apareceu ninguém. Nem na quinta”. Apenas no terceiro dia o primeiro aluno o procurou. O rapaz cursava Engenharia e precisava esclarecer questões de Matemática Avançada, disciplina que o idealizador conhecia bem.
Surgiu, então, o projeto, que contou com uma publicidade impensada: uma pessoa passou naquele exato momento, fotografou a dupla e postou nas redes sociais, o que viralizou. “Uma semana depois, eu já estava no programa da Fátima Bernardes falando sobre a ideia”. Com isso, passado o primeiro mês, o número de estudantes saltou para 52 e para atender a demanda, os alunos com mais escolaridade eram convidados a ensinar os com menos. Depois, surgiram novos voluntários. “Não precisa de diploma para ensinar. Todos podem ter essa capacidade”, cita, observando que já houve casos de médicos ajudando em lições de inglês.
A ação foi realizada incessantemente até março de 2020, quando foi interrompida pela pandemia de COVID. “Ficamos 1 ano e sete meses parados”, conta o professor, que só voltou às praças depois de tomar a terceira dose da vacina. No retorno, o número já se aproximou de como era antes e a maioria do público estuda na rede pública. Muitos também são matriculados no EJA (Educação de Jovens e Adultos), mostrando que não há limites etários para tirar dúvidas escolares: “Já tivemos uma aluna e 93 anos que estava sendo alfabetizada. Outra, de 86, avisou que está para voltar”.
A mudança principal se deu na questão dos endereços onde as aulas são oferecidas: antes, a ação funcionava em 12 praças, sendo nove no Rio, duas em Niterói e uma em Cabo Frio. Na retomada, apenas quatro núcleos estão ativos: Copacabana (Praça Edmundo Bittencourt), Botafogo (Praça Mauro Duarte, onde os horários são planejados para atender o contraturno dos alunos das duas escolas públicas perto dela), Flamengo (Praia do Flamengo, aproximadamente em frente ao número 200) e Laranjeiras (Praça São Salvador).
“O projeto está sendo reconstruído”, afirma, esperando inspirar moradores de outras localidades a copiarem a ideia: “Imagina se fazem na Ilha, em Madureira… O Poder Público não tem criatividade, mas a população tem. O povo ajuda o povo. Fala-se muito de desigualdade social, mas isso surge na desigualdade educacional. O ensino municipal regride há décadas. Acho que o último que pensou na educação foi Darcy Ribeiro. Os CIEPs se acabaram. Qual a valorização de um professor? A carga horária é muito alta, já que eles trabalham até em casa e os vereadores recebem mais”, protesta, mencionando que a pandemia apenas aumentou a dificuldade dos alunos: “Hoje, há crianças de oito anos da rede pública que estão analfabetas. As de 10 não sabem realizar as quatro operações matemáticas básicas. Elas terminam o Ensino Fundamental por causa da aprovação automática e chegam ao Médio sem preparo. Vira uma bola de neve. A violência está aí por causa disso”.
Moron enxerga o projeto como algo além das possibilidades escolares. Seu objetivo é ampliá-lo, reunindo voluntários em compartilhar conhecimentos aos possíveis interessados. “Não precisamos nos limitar às disciplinas básicas. Imagina alguém ensinando uma futura manicure?”, sugere, continuando: “Talvez a pessoa não seja excelente em Física ou Matemática, mas pode aprender uma profissão”. Essa ideia também inspira outros voluntários, como Raquel Feferbaum, que combinava o início de aulas de artes com Silvério durante a entrevista ao Jornal Posto Seis:
“Há muito tempo eu procurava um projeto assim. Tenho 45 anos de experiência com artes e também com educação de adolescentes em escolas. Sou designer, programadora visual e artista plástica. Tenho bastante conhecimento para trabalhar a parte social. Ensinar Artes Plásticas é dar cultura aos alunos”, defende, apontando, entretanto, a necessidade de empenho dos interessados: “É preciso continuidade. Não adianta vir somente uma vez”. Outra voluntária, Flávia Capulli, também mostrou-se ansiosa em dividir ensinamentos: “Atuei no projeto por dois anos e estou retornando agora. Sempre gostei de dar aulas (ela foi professora em um curso de inglês por 20 anos). Aqui, a ideia é tirar dúvidas. A proposta não é oferecer um cursinho, mas já ajudei até em entrevista de emprego. As pessoas têm que ser mais solidárias”, finaliza, convidando novos interessados em ajudar.
O cronograma das aulas muda constantemente, uma vez que depende da disponibilidade dos voluntários. Até o fechamento dessa edição, em Copacabana, os horários agendados contemplavam História, Inglês, Português, Matemática, Física, Espanhol, Desenho Geométrico e as demais disciplinas do Ensino Fundamental I. Os horários podem ser conferidos na rede social desde endereço: www.facebook.com/AdoteUmAlunoCopacabana.
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