Inclusão e acessibilidade são pilares constantemente defendidos pelo Jornal Posto Seis. Nesses 25 anos, incontáveis reportagens cobraram do Poder Público ações que visem tornar a vida em sociedade adequada para todos, assim como divulgaram trabalhos de grupos que atuem nessa questão. Em paralelo, diversos talentos de pessoas com necessidades específicas foram exaltados, rompendo as barreiras do capacitismo.
Situações como a falta de acessibilidade ao banheiro dos quiosques da orla foram algumas das noticiadas, assim como os empecilhos encontrados em prédios com escadas em suas portarias, impedindo o acesso por parte de deficientes físicos. Em publicação de 2017, foi apontado que o decreto 5.296/2004 definia o fácil acesso em edificações de uso público, coletivo e privado, o que, até aquela data, seguia sendo descumprido, visto que nem todos se adequaram às rampas. “Enquanto síndicos acharem que a estética da portaria é mais importante que o acesso dos moradores, é isso que teremos”, palpitou um residente do bairro.
Os empecilhos enfrentados por este público para usar transportes públicos também foi apontada diversas vezes. Em uma das reportagens, a equipe acompanhou uma pessoa que, após 20 minutos sendo ignorada pelos motoristas dos ônibus, finalmente conseguiu fazer com que um parasse, mas a plataforma que viabilizaria seu embarque estava quebrada. A subida ocorreu 25 minutos depois, em outro veículo. As questões enfrentadas pelos cegos igualmente foram noticiadas. Sem bilheterias em algumas saídas de diversas estações do metrô, foi apontado que esse público sequer consegue comprar os bilhetes nos totens eletrônicos, que não possuem sinalização em braille. Depois, a ausência de pisos podotáteis ou a instalação fora dos padrões da ABNT seguem dificultando o caminho, afastando esses usuários.
Antes disso, no entanto, uma tentativa de transformar a Rua Rodolfo Dantas em um espaço acessível foi publicada – posteriormente, as falhas no projeto também. A ideia era instalar naquele logradouro rampas e outros equipamentos, permitindo a livre circulação de todos os públicos, mas apesar da intenção, a proposta foi mal executada: o piso podotátil instalado no chão, para cegos e pessoas com baixa visão, foi colocado fora dos padrões, conduzindo quem não enxerga para paredes ou desníveis no chão, sem a devida marcação. Além disso, as botoneiras que acionavam os sinais sonoros estavam quebradas.
Até situações pontuais viraram notícias, como o perigo proporcionado pelo calçadão do Arpoador, onde um desnível que chega a 4m separa o passeio da faixa de areia e ameaça àqueles que não o enxergam. Após a queda de um idoso, em 1999, a Prefeitura teria sido obrigada a instalar guarda-corpos naquele trecho, o que não aconteceu e seguiu sendo alvo de reclamações em 2018. “Uma pessoa que tem baixa visão está andando. De repente, vem o desnível e ela acaba caindo. A solução seria colocar uma proteção para o deficiente perceber algo e não cair. Já a pessoa totalmente cega esbarraria nessa barreira”, sugeriu um dos entrevistados, complementado por outro com baixa visão: “O calçadão é um ponto turístico e não tem nada (de estrutura para cegos). A gente sempre tem que depender de alguém. Uma das soluções seria o Poder Público sentar com as pessoas que têm deficiência e deixar elas falarem. Normalmente, os outros falam por nós. Parece que a gente não pensa. (…) É como se fôssemos vegetais. Determinam que ‘isso aqui é o melhor para você e pronto’”.
Em meio às cobranças, ações que visam diminuir esse abismo entre o público com necessidades específicas e as atividades corriqueiras também receberam espaço. É o caso do baile inclusivo que acontecia, antes da pandemia, no Sports Clube Mackenzie, realizado com apenas dois objetivos: fazer o público se divertir e socializar os frequentadores, majoritariamente com Síndrome de Down, autismo, deficiências visuais e cadeirantes. Bastava cada um levar um prato de lanche para ser servido na festa e, em troca, encontrava ali um ambiente livre de bullying, uma das maiores reclamações em relação a outras confraternizações.
Com proposta semelhante, o movimento Amadinhos Down realizou uma festa junina conferida de perto pela equipe do jornal, que noticiou o evento. “Abordamos duas vertentes: a de se reconhecer nas outras pessoas sem os olhos de reprovação ou julgamentos e trazer as famílias. Quando os pais de um bebezinho cujos parentes acham que será um retardado vê um jovem com Down beijando na boca na pista de dança, notam que o filho vai ser igual a todos”, citou a fundadora, Daniela Cavalheiro. Outra festa acompanhada foi o jantar da Associação Urece – Esporte e Cultura Para Cegos, que buscava levantar fundos para continuar o trabalho de integrar deficientes visuais à sociedade.
Já a realidade dos autistas ganhou destaque em 2015, quando uma ação da ONG Mão Amiga comemorou o Dia do Orgulho Autista. Na ocasião, a fonoaudióloga Mônica Accioly, uma das fundadoras, desmitificou a condição: “Eles têm dificuldade de entender o nosso mundo. Muitos gestos e ações corriqueiros, para eles, não fazem sentido. Por isso, eles sentem muito medo e se apegam àquilo que já conhecem, tentam evitar o novo. Daí a impressão que se tem de que eles vivem em seu mundo próprio, mas isso é um dos mitos que envolvem o assunto. No fundo, eles querem participar, mas isso só acontece quando eles se sentem seguros”.
O Projeto Sessão Azul, que visa oferecer sessões de cinema periódicas a autistas, também recebeu destaque. Devido à inquietação recorrente, dificilmente esse público participava dessa forma de lazer. “Tentamos criar um ambiente adaptado sem preocupação de (os demais espectadores) olharem torto ou fazerem ‘sshh’. Ali, as crianças podem andar, dançar e fazer barulhos. As famílias se socializam e os filhos interagem”, apontou um dos criadores, Leonardo Cardoso, que aguardava o Censo 2020, ainda não realizado, para mapear as localidades que seriam contempladas com a ação – o de 2010 foi o primeiro a trazer informações numéricas sobre pessoas dentro do espectro autista.
O trabalho do Praia Para Todos foi divulgado desde a primeira edição em Copacabana, em 2010, até a mais recente, em 2020, antes da interrupção devido à pandemia de COVID-19. A ação, desenvolvida pelo Espaço Novo Ser, promove uma série de atividades no mar e na areia para cadeirantes e público com modalidade reduzida. “A praia é um dos lugares mais aprazíveis e é o que tem as piores condições de acessibilidade”, declarou o criador Ricardo Gonzalez. Ele apontou que os avanços da tecnologia assistiva, como a cadeira anfíbia, permitiram a implantação do programa, que posicionava uma rampa de madeira sobre a areia, possibilitando o acesso até por cadeirantes, e oferecia atividades como frescobol, stand up paddle, vôlei, surf, handbike e outras formas de lazer adaptadas
Apesar das dificuldades enfrentadas pelo público em acessar à praia, a nadadora Danielle Mendes virou notícia por, mesmo cadeirante, dedicar-se à natação no Posto 6. Dentre os empecilhos apontados, todos referiam-se a questões que poderiam ser solucionadas pelo Poder Público, como a ausência de vagas reservadas naquela região (onde o mar é mais calmo e, portanto, mais convidativo a quem possui alguma necessidade específica); os buracos na calçada, que atrapalhavam a circulação até aquele ponto; e a falta de esteira sobre a areia, o que era previsto na norma técnica de acessibilidade NBR 9050, de 2015. O tema foi retomado em 2019, quando a lei 8.429 tornou obrigatório que todas as praias contassem com o equipamento, que deveria ser instalado junto aos postos de salvamento. Em 2021, a questão segue pendente por razões desconhecidas: quando a equipe do Jornal Posto Seis cobrou soluções, a assessoria dos bombeiros sugeriu que o contato fosse feito com o Governo do Rio de Janeiro; este, por sua vez, informou que a questão era de competência dos bombeiros.
Outras pessoas também receberam reconhecimento por seus feitos, principalmente na área artística. É o caso de Aline Korb, pintora tetraplégica que vive na CTI geral do Hospital Pedro Ernesto desde 2001, quando foi vítima de uma lesão na medula após um quadro de meningite. Apesar das limitações físicas, a moça, também cega de um olho, pinta usando a boca, talento que lhe rendeu diversos prêmios, inclusive uma Comenda Emília Amália, distribuída a mulheres de destaque pelo Jornal Posto Seis. Aluna da Associação de Pintores com a Boca e os Pés (APBP), sonha em ver seus quadros expostos em museus.
A técnica de pintar empregada por ela também é adotada por Luciano Alves, entrevistado em 2018. Após sofrer um acidente, perdeu os movimentos do corpo e comprou a primeira tela por indicação médica. “No Brasil, 24% da população vive com alguma limitação, mas representamos apenas 1% da América Latina”. Ainda nas artes plásticas, Victor Pesant também foi destacado pelo Jornal Posto Seis na mesma ocasião. O jovem, que nasceu com paralisia cerebral, pinta usando os pés desde a infância. Na medida em que cresceu, o hobby virou uma profissão.
Outro artista evidenciado foi o menino Abhay Zukoski, então com 12 anos, também em 2018. Após 16 cirurgias e 60 internações na infância, o garoto, que nasceu com extrofia da bexiga (má formação do órgão, o que afetou sua locomoção), passou a dedicar-se à literatura, uma das únicas formas de lazer no hospital, o que lhe transformou em um talento precoce: naquela altura, ele preparava-se para lançar seu quarto livro e destacava-se como contador de histórias, além de realizar pequenos espetáculos no Parque da Chacrinha. O menino Augusto Mangussi, da mesma idade, teve sua arte exaltada, em 2020. Autista, colecionava mais de 200 telas pintadas e sete exposições, sendo duas no exterior, em seu currículo.
Na área musical, alguns músicos cegos tiveram suas artes enfatizadas. Uma delas foi a pianista Gláucia Leite, que perdeu a visão devido a uma doença degenerativa, aos 18 anos, mas seguiu praticando piano através de sinais musicográficos e da adaptação de partituras em braile. Outro foi João do Cavaco, que desenvolveu-se artisticamente após sofrer um acidente e perder a visão, o que lhe impediu de enxergar o rosto do público. Assim, perdeu a timidez e tornou o passatempo uma profissão, o que o levou até a assinar sambas-enredo para escolas como Unidos do Cabuçu, Imperatriz Leopoldinense e Império Serrano, entre outros trabalhos. O elenco da Companhia Eficientes Especiais igualmente recebeu destaque. O grupo, composto também por deficientes visuais, apresentou shows com repertórios variados, como as músicas de Elis Regina e Rita Lee, em teatros diversos. Para isso, a diretora Jaqueline Winter desenvolveu uma maneira de dirigir esses artistas, que não enxergavam as marcações do palco.
Em meio a tantos talentos, o Jornal Posto Seis promoveu o primeiro evento inclusivo da história de Copacabana. O aniversário de 126 anos do bairro foi marcado por apresentações diversas de artistas cegos, cadeirantes, com Síndrome de Down e até pintores da APBP, com apoio do movimento É Nós Na Fita – Fazendo O Bem Sem Olhar A Quem e da Associação Girassol. O sucesso foi tão grande que, naquele mesmo julho de 2018, outra ação, dessa vez na sede da redação, reuniu outros nomes com necessidades específicas, mais uma vez atraindo grande público.
Posteriormente, a parceria com o É Nós Na Fita foi reforçada com a divulgação do concurso Garoto e Garota Down 2020. Os candidatos se apresentaram em lugares diversos, onde arrecadaram votos para a grande final, ocorrida no Teatro João Caetano. Independente do vencedor, todos saíram ganhando, já que tiveram suas auto estimas elevadas com a competição, transformada em uma grande diversão.
O Jornal Posto Seis ainda divulgou esportes adaptados diversos, como o power soccer (futebol de cadeira de rodas elétricas), primeira modalidade de equipe competitiva projetada e desenvolvida para usuários desse equipamento e que reunia, principalmente, adeptos que não conseguiam participar de outras, como basquete em cadeiras de roda. Em outro momento, foi a vez da Seleção Brasileira de Futebol de Anões ganhar destaque, enquanto se preparava para a a Copa América, que ocorreria na Argentina e reuniria atletas de todos os países da América do Sul, além dos Estados Unidos e do Canadá. “Eu não tinha perspectiva de jogar bola por causa da minha estatura”, observou um dos jogadores, feliz com aquela iniciativa.
Incontáveis outras reportagens deram visibilidades a questões como essas, reforçando o viés comunitário e democrático da publicação.
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