Publicado na edição 373 (1ª quinzena de novembro de 2013)
O quarteirão da Rua Barata Ribeiro entre as ruas Santa Clara e Raimundo Correa, possui uma peculiaridade: nele, estão localizadas três lojas que são propriedade da mesma família há mais de 50 anos. Nesse período, resistiram à concorrência dos shoppings e à modernização dos serviços oferecidos por elas e tornaram-se tradições no bairro.
A mais antiga delas é a Flora Santa Clara, que originalmente pertencia a um amigo de Afonso Almeida, que trabalhou nela por 73 anos. Atualmente afastado, passou o negócio para as filhas, Liliane e Clarice, que atualmente dão continuidade aos serviços da empresa. Afonso lembra que, quando menino, sempre ia ao local, então um pequeno boxe na esquina das ruas Barata Ribeiro e Santa Clara. Nessas visitas, admirava as flores e, aos 12 anos, foi convidado pelo proprietário para trabalhar lá. Quando completou 18 anos, foi trabalhar na companhia de seguros Aliança da Bahia Capitalização, onde permaneceu por um ano. Nesse período, seu antigo chefe (que não era mais o mesmo que o contratou) fazia inúmeras propostas para ele voltar, oferecendo até o dobro do salário. Como só aceitava voltar se fosse como sócio, seu pai adquiriu o negócio (nessa época, já incorporado à loja vizinha, onde funcionava um armarinho, e Afonso descartou a oportunidade de seguir carreira para se dedicar à sua paixão. Pouco tempo depois, o dono do imóvel (onde funcionava também um estofador e havia gente morando) morreu e o espólio foi a leilão. Novamente, seu pai teve um papel decisivo e comprou o sobrado inteiro, deixando uma metade da floricultura com Afonso e a outra com seu irmão, que se afastou pouco tempo depois.
Nesse período, Afonso ganhou experiência e foi proprietário de outras floras e fazendas, onde também se dedicava àquilo que, desde jovem, atraiu sua atenção. Chegou até a fazer arranjos junto com o paisagista Roberto Burle Marx, que, segundo Afonso, também foi dono de uma loja de flores em Copacabana, no Lido. Enquanto isso, a Flora Santa Clara atendeu clientes renomados, como os presidentes João Baptista Figueiredo e Eurico Gaspar Dutra; o prefeito do Rio de Janeiro Carlos Lacerda; o filho de Getúlio Vargas, Lutero; o governador de São Paulo Ademar de Barros e o cantor Roberto Carlos. Atualmente, Afonso, que ainda colabora com o negócio que ajudou a construir, diz notar que o gosto pelas flores passa de geração em geração. “Atendemos bisavôs, avôs, filhos, netos...”, comenta, citando que os consumidores mais jovens preferem fazer compras pelo telefone ou pela internet (http://www.shoppingdasflores.com.br/). Outras mudanças também foram sentidas por ele: “Antes, nas datas festivas, havia um pico de venda. Hoje, elas são bem espalhadas durante o mês inteiro, apesar de aumentarem em ocasiões como o Dia Internacional da Mulher, o Dia dos Namorados e Rosh Hashaná (o ano novo judaico)”, cita, lembrando também que, há algumas décadas, os consumidores podiam parar o carro na porta, o que facilitava o acesso.
Além do fim do estacionamento constante na Rua Barata Ribeiro, Afonso destaca que Copacabana passou por inúmeras mudanças nessas sete décadas. “Era uma tranquilidade só. A Av. N. Sª de Copacabana tinha mão dupla e um refúgio no meio, onde os bondes paravam. Os edifícios eram poucos, a maioria dos imóveis eram casas com quintal e cerca.
Eu morava na Rua Goulart, que nem existe mais. Só tinha sobrados nela”, lembra, citando o logradouro que, com o alargamento da Avenida Princesa Isabel (na época, Rua Salvador Correia), essa via desapareceu (apesar de alguns registros informarem que ela é a atual Avenida Prado Junior).
Após 18 anos de funcionamento, a Flora Santa Clara ganhou uma vizinha no quarteirão: em 1958, foi a vez do alfaiate Abel Soares Gomes abrir sua alfaiataria, que leva seu sobrenome (“Gomes”) como nome. Mais tarde, em 1964, seu irmão, Alberto, passou a assumir os negócios junto com ele. Abel também tem recordações de uma Copacabana bastante diferente da atual: “Aqui na frente não tinham prédios, era tudo casa”. Outra recordação é da quantidade de encomendas, muito maior antes por causa da quantidade pequena de fábricas e confecções de roupas. Apesar da queda do movimento (segundo ele, isso aconteceu há cerca de 15 anos), o alfaiate não reclama do momento atual. “Ainda há muitos clientes que procuram lugares com profissionais antigos e experiência. Trabalho nisso desde os 11 e estou com 81. São 70 anos de costura”, destaca.
Para ele, o diferencial das peças produzidas em sua loja é que elas ainda são feitas sob medida, como nos tempos antigos. “Fazemos tudo: terno, camisa, sobretudo, fraque.”, cita, lembrando que diferente das peças produzidas em grande escala e vendidas nas lojas, as de alfaiataria são feitas sob medida, caseadas a mão e, segundo ele, têm melhor acabamento. Abel ainda ressalta que o fato de haver pouca concorrência faz com que seus clientes sejam fieis. “Alguns encomendam até por telefone. Já tenho as medidas de muitos anotados no fichário”, conta, mostrando milhares de fichas e ressaltando que, na parte de cima da loja, guarda muito mais, até as mais antigas e de quem já morreu. Abel lembra também que, na época da Jovem Guarda, era ele quem fazia as calças modelo “Saint-Troipez”, com cintura alta e pernas tipo boca de sino.
Em uma das visitas à loja, a equipe do Jornal Posto Seis encontrou o aposentado Franco Meneguzzo, que é cliente de Gomes há 35 anos. Apesar de morar na Itália, sempre que vem ao Brasil aproveita para encomendar novas peças de roupa. De acordo com ele, é difícil encontrar vestuários no seu tamanho em lojas convencionais. Além disso, ele destaca que, dessa forma, o alfaiate faz os itens sob medida, além de dar seu estilo a cada uma. Ao descobrir o propósito da matéria, mostrou estar calçando um sapato do estabelecimento vizinho, a sapataria Motex, de onde também é clente fiel por ter “pé elefantino”, segundo suas próprias palavras. Questionado sobre a qualidade deles, declarou serem espetaculares. “Eu trabalhava na Fiat e aguentava 12 horas com eles nos pés sem me machucarem”, destaca.
A Motex abriu suas portas um ano após a alfaiataria Gomes começar a atender sua vasta clientela em Copacabana. Nessa época, Humberto Pádua, junto com seu irmão, inaugurou a loja que, na época, era mais uma opção no ramo de calçados. Mal sabia ele que, após 54 anos de funcionamento, seria a única no bairro a oferecer sapatos artesanais com pronta entrega e a produzir modelos difíceis de encontrar, como os bicolores, que foram moda nos anos 20 e 30 e depois retornaram aos pés dos homens em meados da década de 60.
Humberto cita que, nos dias atuais, a demanda ainda é muito boa. Muitos clientes são até de outro estado (como acontece também com a alfaiataria vizinha) e, assim como acontece na Flora Santa Clara, há cada vez uma procura maior pelas compras virtuais (http://motexcalcados.com.br/). Ele diz também ter notado uma queda no mercado ao longo dessas cinco décadas. “Antes, todos usavam sapatos porque não existiam tênis. Após todo mundo passar a usar calça jeans com esse tipo de calçado, o mercado estabilizou”, destaca. Segundo ele, os consumidores que continuaram procuram a loja devido a qualidade dos sapatos. “Eles são de couro legítimo. Alguns clientes têm eles há 20, 30 anos”, ressalta, lembrando que, nesses casos, eles não são usados diariamente.
Flora Santa Clara: Rua Barata Ribeiro, 522
Alfaiataria Gomes: Rua Barata Ribeiro, 559C
Calçados Motex: Rua Barata Ribeiro, 559D